
São Paulo ilimitada
Eu gostaria de escrever algo sobre São Paulo, só que não tenho tempo para escrever sobre a cidade que tem tantos amantes. Aqui somos todos desconfiados, estamos sempre achando que seremos assaltados na próxima esquina. O que mais chama atenção é a quantidade de pessoas que vivem aqui e trata à cidade como se fosse uma enorme lixeira. Andando pelos bairros da periferia percebemos o desprezo que os moradores tem pela cidade. Nos bairros operários as pessoas vivem no meio do lixo e não fazem questão de mudar, muito pelo contrário, eles arrancam as árvores, jogam lixo os córregos, invadem as calçadas com construções irregulares. O que falta é conscientização, se os órgão públicos fizessem a sua parte educando a população talvez resolvesse em parte os problemas da cidade. A prefeitura só faz campanha educativa depois que a catástrofe ocorre. Agora, nesses meses de inicio de ano chove muito, no entanto, a prefeitura só depois que ocorre as enchentes é que resolve fazer campanha para a população não jogar lixo nos riachos. Esse povo mal educado, acostumados a viver no meio do lixo, não tem respeito pela vida, só forçando a educação, talvez teremos uma cidade decente daqui um século. Quando fala de São Paulo normalmente fala-se dos Jardins, Avenida Paulista, Moema, Campo Belo, Ibirapuera. Não conhecem o inferno que é a periferia, com seus casebres insalubres e população miserável.
455 anos. São Paulo comemora um novo ano de vida consolidada como metrópole dinâmica, diversificada, mergulhada em contrastes, dificuldades e paradoxos. Foi o que São Paulo precisou para se tornar o que é hoje: uma cidade ilimitada não apenas em sua expansão geográfica, seu crescer continuado horizontal e vertical, mas, sobretudo, na voracidade com que se apossa de espaços que poderiam servir àqueles que realmente precisam dele, fazendo conviver o luxo desabusado com a pobreza cruel, numa disparidade detectável a um simples girar de olhos.Há relativamente pouco tempo, no entanto, era um pequeno burgo fechado em si mesmo, as ruas largas e asseadas, embora com os sugestivos nomes de Rua do Paredão, Rua do Cotovelo, Rua do Curral, Rua do Inferno ou Beco da Cachaça. As casas eram modestas, construídas de taipa, geralmente de dois pavimentos, os jardins plantados de rosas e jasmineiros, o ar puríssimo, os rios de águas cristalinas, segundo relatos de viajantes que a visitaram no início do século 19.Como se estivéssemos assistindo a um filme, com o dom de ubiquidade que o cinema possui, imaginemos um corte brusco para os dias de hoje. O que aconteceria? Provavelmente uma enorme e inaudita sensação de perplexidade.Há poucos anos, passando pela Casa Vilmorin, uma grande loja de produtos para hortas e jardins, em Paris, pedi à gerente se poderia enviar, por correio, os informativos publicados pela empresa. Sabendo que eu sou brasileiro e de São Paulo, perguntou, candidamente: "Mas o correio chega até vocês?"Se desembarcássemos essa senhora por aqui hoje, ela provavelmente também seria tomada de perplexidade.Ficaria sabendo que a população de São Paulo é quase duas vezes maior que a da Bélgica, que nela circulam 6 milhões de automóveis, causando um trânsito infernal, que a cidade precisa se desfazer, diariamente, de 17 mil toneladas de lixo, fora o entulho das construções. E se daria conta, é claro, de que participam da vida da cidade 2 milhões de pessoas que vivem em favelas, população maior que a de várias capitais do País e de várias capitais da Europa. O paulistano que ama sua impressionante cidade deve, com segurança, orgulhar-se dela e de toda a imensa gama de possibilidades que oferece, como uma das maiores cidades do mundo. Mas ela não será completamente satisfatória enquanto existir uma tão grande diversidade na vida dos habitantes desta quase megalópole.Num hipotético recenseamento das sensações das pessoas que nasceram ou que aqui vivem, vindas do País todo e de outros países, quais seriam as avaliações sobre as diferentes faces da cidade? Teríamos, provavelmente, um tratado invulgar das mais surpreendentes e diversificadas impressões. Um tipo de pesquisa jamais realizada, um sensor da ânima desses milhões de seres que somos nós que aqui vivemos.Qual será a razão, o mistério que fez São Paulo se agigantar - sem conseguir parar - numa autofagia constante? Que é da quase Ouro Preto captada pelas lentes de Augusto Militão, em 1865, fadada a uma renovação e a um modernismo eternos? Qual a estranha razão que impulsiona os paulistanos, engolfados nesse fazer sem fim, a levar sempre os governos a reboque?"Nós somos ricos e tristes, vocês são pobres e alegres", palavras de um europeu observando o sorriso no rosto das mocinhas caixas de lojas e supermercados. Qual será o segredo desse sorriso sincero que as pessoas conseguem manter, levando, em geral, uma vida tão dura?Andando pelos mais diferentes ambientes da cidade, volto a me referir àquele "girar de olhos" que citei acima. Olhamos a Ponte Estaiada, obra milionária, novo cartão-postal da cidade. Olhamos em frente: o Hilton e todo o gigante WTC. Olhamos à direita: o novo edifício da Globo. Olhamos para baixo: uma absurda favela de lata, prestes a pegar fogo ou a desabar. É um formidável retrato da São Paulo hoje!Numa dessas casas, os moradores usaram como parede uma grande placa, restos de uma construção, onde se lia: "Apartamentos com 4 suítes e 4 garagens." Se não fosse a grande tristeza, pareceria humor negro.Do alto de muitos prédios do Morumbi pode-se ter como paisagem a favela Comunidade de Paraisópolis, com mais de 70 mil habitantes que oferecem seu trabalho, sua participação na vida febril da cidade. O nome Paraisópolis realmente não condiz com as condições de vida de quem mora lá.O orçamento da cidade é monstruoso, pensando-se em Brasil. São continuadamente realizadas obras importantes, necessárias e urgentes. É tudo essencial. É tudo dever dos governos, mas, incompreensivelmente, sempre em atraso em relação às necessidades da cidade, sobretudo da população que ajudou a tornar São Paulo o que ela é, mas continua vivendo à sua margem.São incontáveis os exemplos dos extremos que a cidade apresenta. Um deles, o do Rodoanel: grande obra de Primeiro Mundo, ladeada por grandes favelas. Seus moradores contemplam essa enorme faixa de concreto, tão perto e tão distante de suas realidades, de suas necessidades.O chamado "espírito bandeirante" fez a cidade se alargar, espalhar-se, mas as favelas e os cortiços estão no estômago e no coração dela. Seria ingenuidade pensarmos num governo com disposição de enfrentar, de fato, esse problema? Uma arrancada com força total e sem volta, no sentido de tornar a cidade mais humana, mais orgulhosa de si mesmo? Seria exemplar para nós mesmos. Habitação, educação e saúde formam um tripé que não deve ter uma perna mais curta.455 anos. São Paulo fascinante e desconcertante. As discrepâncias são de tal magnitude que tornam urgente a adoção de soluções dignificantes para o todo da população. Essa população que faz pulsar a vida da cidade e que merece dos governos uma atenção mais justa e humana
455 anos. São Paulo comemora um novo ano de vida consolidada como metrópole dinâmica, diversificada, mergulhada em contrastes, dificuldades e paradoxos. Foi o que São Paulo precisou para se tornar o que é hoje: uma cidade ilimitada não apenas em sua expansão geográfica, seu crescer continuado horizontal e vertical, mas, sobretudo, na voracidade com que se apossa de espaços que poderiam servir àqueles que realmente precisam dele, fazendo conviver o luxo desabusado com a pobreza cruel, numa disparidade detectável a um simples girar de olhos.Há relativamente pouco tempo, no entanto, era um pequeno burgo fechado em si mesmo, as ruas largas e asseadas, embora com os sugestivos nomes de Rua do Paredão, Rua do Cotovelo, Rua do Curral, Rua do Inferno ou Beco da Cachaça. As casas eram modestas, construídas de taipa, geralmente de dois pavimentos, os jardins plantados de rosas e jasmineiros, o ar puríssimo, os rios de águas cristalinas, segundo relatos de viajantes que a visitaram no início do século 19.Como se estivéssemos assistindo a um filme, com o dom de ubiquidade que o cinema possui, imaginemos um corte brusco para os dias de hoje. O que aconteceria? Provavelmente uma enorme e inaudita sensação de perplexidade.Há poucos anos, passando pela Casa Vilmorin, uma grande loja de produtos para hortas e jardins, em Paris, pedi à gerente se poderia enviar, por correio, os informativos publicados pela empresa. Sabendo que eu sou brasileiro e de São Paulo, perguntou, candidamente: "Mas o correio chega até vocês?"Se desembarcássemos essa senhora por aqui hoje, ela provavelmente também seria tomada de perplexidade.Ficaria sabendo que a população de São Paulo é quase duas vezes maior que a da Bélgica, que nela circulam 6 milhões de automóveis, causando um trânsito infernal, que a cidade precisa se desfazer, diariamente, de 17 mil toneladas de lixo, fora o entulho das construções. E se daria conta, é claro, de que participam da vida da cidade 2 milhões de pessoas que vivem em favelas, população maior que a de várias capitais do País e de várias capitais da Europa. O paulistano que ama sua impressionante cidade deve, com segurança, orgulhar-se dela e de toda a imensa gama de possibilidades que oferece, como uma das maiores cidades do mundo. Mas ela não será completamente satisfatória enquanto existir uma tão grande diversidade na vida dos habitantes desta quase megalópole.Num hipotético recenseamento das sensações das pessoas que nasceram ou que aqui vivem, vindas do País todo e de outros países, quais seriam as avaliações sobre as diferentes faces da cidade? Teríamos, provavelmente, um tratado invulgar das mais surpreendentes e diversificadas impressões. Um tipo de pesquisa jamais realizada, um sensor da ânima desses milhões de seres que somos nós que aqui vivemos.Qual será a razão, o mistério que fez São Paulo se agigantar - sem conseguir parar - numa autofagia constante? Que é da quase Ouro Preto captada pelas lentes de Augusto Militão, em 1865, fadada a uma renovação e a um modernismo eternos? Qual a estranha razão que impulsiona os paulistanos, engolfados nesse fazer sem fim, a levar sempre os governos a reboque?"Nós somos ricos e tristes, vocês são pobres e alegres", palavras de um europeu observando o sorriso no rosto das mocinhas caixas de lojas e supermercados. Qual será o segredo desse sorriso sincero que as pessoas conseguem manter, levando, em geral, uma vida tão dura?Andando pelos mais diferentes ambientes da cidade, volto a me referir àquele "girar de olhos" que citei acima. Olhamos a Ponte Estaiada, obra milionária, novo cartão-postal da cidade. Olhamos em frente: o Hilton e todo o gigante WTC. Olhamos à direita: o novo edifício da Globo. Olhamos para baixo: uma absurda favela de lata, prestes a pegar fogo ou a desabar. É um formidável retrato da São Paulo hoje!Numa dessas casas, os moradores usaram como parede uma grande placa, restos de uma construção, onde se lia: "Apartamentos com 4 suítes e 4 garagens." Se não fosse a grande tristeza, pareceria humor negro.Do alto de muitos prédios do Morumbi pode-se ter como paisagem a favela Comunidade de Paraisópolis, com mais de 70 mil habitantes que oferecem seu trabalho, sua participação na vida febril da cidade. O nome Paraisópolis realmente não condiz com as condições de vida de quem mora lá.O orçamento da cidade é monstruoso, pensando-se em Brasil. São continuadamente realizadas obras importantes, necessárias e urgentes. É tudo essencial. É tudo dever dos governos, mas, incompreensivelmente, sempre em atraso em relação às necessidades da cidade, sobretudo da população que ajudou a tornar São Paulo o que ela é, mas continua vivendo à sua margem.São incontáveis os exemplos dos extremos que a cidade apresenta. Um deles, o do Rodoanel: grande obra de Primeiro Mundo, ladeada por grandes favelas. Seus moradores contemplam essa enorme faixa de concreto, tão perto e tão distante de suas realidades, de suas necessidades.O chamado "espírito bandeirante" fez a cidade se alargar, espalhar-se, mas as favelas e os cortiços estão no estômago e no coração dela. Seria ingenuidade pensarmos num governo com disposição de enfrentar, de fato, esse problema? Uma arrancada com força total e sem volta, no sentido de tornar a cidade mais humana, mais orgulhosa de si mesmo? Seria exemplar para nós mesmos. Habitação, educação e saúde formam um tripé que não deve ter uma perna mais curta.455 anos. São Paulo fascinante e desconcertante. As discrepâncias são de tal magnitude que tornam urgente a adoção de soluções dignificantes para o todo da população. Essa população que faz pulsar a vida da cidade e que merece dos governos uma atenção mais justa e humana
Nela tudo é superlativo. A população de 11 milhões de pessoas é maior do que seria razoável. São mais de 5 milhões os veículos que nela circulam, a velocidades médias sempre menores. Milhares de bares e restaurantes, 1 milhão de pizzas por dia, mais de 250 mil estabelecimentos comerciais, pelo menos três dezenas de grandes shopping centers, 10 milhões de visitantes/ano, cerca de 80% dos eventos do País, 500 helicópteros, mais de mil academias de ginástica. Das 15 mil toneladas de lixo que produz por dia, quase nada é reciclado ou coletado de forma seletiva, gerando montanhas de resíduos e sujeira. O desperdício é generalizado, nas casas, nas indústrias, no comércio, na construção civil. Dá para estimar o gigantesco volume de dinheiro que escorre pelos interstícios de seu sistema bancário, de fazer inveja a qualquer país desenvolvido. A riqueza faz eco a uma miséria persistente. Terra de oportunidades, empregos, sonhos e fantasias. Globalizada, repleta de ofertas culturais e espaços públicos, com um patrimônio histórico relevante e uma população multiétnica, a cidade pulsa sem cessar. É a locomotiva do Brasil, como diz a tradição, especialmente quando se leva em conta que é a partir de sua efervescência, de seu empreendedorismo e de seu poder de consumo que o País se mantém entre os principais protagonistas da economia mundial.São Paulo poderia ser excelente para se viver. Mas não é. Por sua grandeza, pelo papel que desempenha, por suas glórias e tradições, deveria sê-lo. Não que falte perspectiva comunitária. Inúmeros paulistanos se identificam com a cidade e sentem orgulho por dela fazer parte. Criaram raízes nela e estão decididos a construir a vida em seus espaços. Talvez até estejam dispostos a agir para fazer com que as coisas melhorem, ainda que a maioria acalente o sonho de deixar a cidade, fugir de seus tentáculos e pressões, buscar o futuro em outro lugar. Mas falta alguma coisa para dar norte humanizado à cidade, ao mesmo tempo que sobram problemas.São vergonhosos os indicadores da qualidade de vida dos paulistanos, especialmente em termos sociais. Os cidadãos percebem isso e se manifestam com clareza sempre que perguntados: a cidade não é justa, submete seus moradores a sacrifícios pesados, como se quisesse expulsá-los. Amplifica desigualdades, em vez de reduzi-las. Suas periferias são indignas. A educação deixa a desejar em todos os níveis, em que pese a cidade desempenhar importantíssimo papel na produção técnica e científica nacional, graças às suas universidades públicas e a seus institutos de pesquisa. Há deficiências graves no sistema de saúde. O custo de vida agride os moradores. A insegurança e o medo condicionam hábitos, valores e opções de convivência. A poluição está tão radicalizada que parece não ter como ser monitorada: o ruído urbano atinge níveis insuportáveis, os dois grandes rios que cruzam a cidade são imundos, a fumaça negra que a impregna bloqueia a visão e envenena os pulmões.Com a força magnética e os recursos (humanos, técnicos, financeiros, intelectuais) de que dispõe, chega a ser incompreensível o atraso que a cidade exibe em vários de seus setores. Tome-se o transporte público, por exemplo. Numa teia urbana gigantesca como a de São Paulo, é óbvio que o deslocamento da população adquire dimensão estratégica. Pessoas que passam mais de duas horas por dia para fazer o percurso casa-trabalho-casa, como ocorre com a maioria dos paulistanos, não dispõem de condições razoáveis para crescer na vida. Acabam ficando tentadas pelo automóvel particular, este categórico objeto de desejo da modernidade, com o que se desinteressam da luta pela melhoria dos meios públicos. E quando conseguem - à custa de restrições e endividamentos - comprá-lo, terminam por contribuir para piorar ainda mais a situação.Muito pouco tem sido feito nos últimos tempos para enfrentar o problema. As expectativas de melhoria continuam a ser transferidas para a ampliação do metrô. Perante os ônibus, a imaginação parece entorpecida, escrava de corredores exclusivos e obras viárias. O que se desenhou anos atrás como plataforma inovadora quase nada deixou de legado. Os veículos não são amigáveis. São mal sinalizados, pouco informativos, sujos e desconfortáveis. O bilhete único foi uma das poucas boas ideias a serem postas em prática, mas ainda é insuficientemente explorado e não se combinou nem com a implantação de linhas setoriais que fluam com maior rapidez e desobstruam as vias públicas, nem com uma tarifação mais flexível e inteligente. O Sistema de Monitoramento do Transporte ("Olho Vivo"), implantado pela SPTrans para fornecer aos usuários informações em tempo real sobre os ônibus, é uma excelente iniciativa, mas atinge pouca gente e não é otimizado. O próprio sistema de transporte em seu todo é mal conhecido pela população, que não tem como se informar a respeito dele ou visualizá-lo de modo abrangente.Qualquer intervenção dedicada a reformular um sistema de transporte público requer muito conhecimento especializado. São Paulo dispõe de inteligência e informação em doses mais que suficientes. Precisa saber usá-las para propor ideias novas e convocar a população para agir coletivamente.O problema tem uma clara dimensão técnica e financeira, mas é sobretudo político. Para ser solucionado depende de determinação, ousadia e apoio social, coisas que somente a política pode fornecer.Enquanto isso não se produzir, aniversários continuarão a ser comemorados de modo protocolar, para honrar a história, mas não para demarcar novos espaços de cidadania e vida digna.
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